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S.o.S Students on Stage 2018

 

Desde 2008 S.o.S. Students on Stage acontece uma vez por ano no ada Studio für Zeitgenössischen Tanz & Bühne, dirigido por uma das grandes incentivadoras da dança independente em Berlim, Gabi Beier.

O S.o.S é um momento do ano onde se tem o privilégio de fazer um intercâmbio entre os estudantes das tão diversas escolas de dança contemporânea da cidade de Berlim e onde não só é possível perceber os pontos em comum e as divergências entre eles, mas também é um espaço onde os estudantes se reúnem em um único lugar, com o objetivo de compartilhar seus trabalhos com o público e refletir sobre as maneiras de fazer dança. É, acima de tudo, um final de semana para descobrir modos de se complementar e de se afirmar coletiva e individualmente, algo que a cidade Berlim parece estar precisando cada vez mais.

Em 2015 foi a primeira vez que Cilgia Carla Gadola, Alexandra Henning e Johanna Withelm fizeram a curadoria da então sétima edição do S.o.S. Elas que nesse mesmo ano eram estudantes do curso de Tanzwisenschaft na Freien Universität, hoje, fora da universidade continuam na curadoria e dão continuidade ao Students on Stage.

No ano de 2015, fiz parte do S.O.S. Foi a primeira vez que mostrei meu trabalho em Berlim, fora do contexto da faculdade, mas ainda como estudante. Me lembro da importância dessa oportunidade, me lembro de como foi indispensável para o meu trabalho ver o que os outros estudantes faziam, me lembro como foi encorajante encontrar pessoas que incentivam e apoiam os artistas que estão chegando em Berlin, os artistas que primeiramente buscam uma estrutura e tem a oportunidade de pertencer a uma instituição de ensino. Artistas que sabem pouco ou nada das dinâmicas da dança contemporânea na cidade.

O que fazemos durante nossos estudos? O que acontece depois que finalizamos a universidade ou escola? Esta é uma das perguntas que o S.o.S e o ada Studio lança no ar para discutirmos. São perguntas que poucas instituições se fazem, e o chamar a atenção para estas questões é de grande importância, ainda mais agora que a tendência de alumnos formados em dança em Berlim começa a aumentar cada vez mais.

 

O convite e desafio que Cilgia, Alex, Johanna e Gabi me fizeram este ano, de escrever para a décima edição do S.O.S-2018 me faz muito honrada, ao mesmo tempo que me faz perceber a dificuldade e grande responsabilidade de escrever sobre o trabalho dos outros e partilhá-lo publicamente. Tendo estado do outro lado em 2015, hoje me aventuro a escrever sobre o que vi no dia 12 de Maio de 2018. Coloco-me em risco a compartilhar minhas questões e impressões do que os estudantes da Tanzakademie balance1, Die Etage, Berlin Dance Institut, Hochschulübergreifendes Zentrum Tanz Berlin e Dance Intensive Programm der Tanzfabrik Berlin compartilharam com nós.


 

Mathilde Flor Usinger: endoskop

 

Mathilde entra no espaço toda vestida de branco, desde que entra pela porta lateral do ada Studio começa a sua dança. Ocupa o espaço mostrando grande controle e destreza nos seus movimentos de grande vigor físico, eles são executados de maneira tal, que faz parecer que aquilo que ela está fazendo dispensa qualquer esforço. Mesmo ela estando sempre muito concentrada e ocupada com os movimentos do seu corpo, consegue alternar seu olhar de maneira leve para com a plateia, muito consciente de estar sendo observada por nós. Uma voz gravada ocupa o espaço, a voz em inglês propõe algumas imagens, nas quais os órgãos do corpo são seus atores principais. Meu inglês não nativo me restringe o seu total entendimento. Depois que a voz desaparece, os movimentos da Mathilde sofrem algumas alterações. Isto acontece mais algumas vezes, a voz ocupa espaço, sugere imagens e as imagens alteram a qualidade de movimento de Mathilde. Pernas pesadas, extremidades querendo fugir uma da outra, contrações, braços leves, e assim vai. Não me importo mais se entendo ou não as palavras que vem do áudio, pois a performance de Mathilde me faz mergulhar no seu jogo: um jogo de movimento cheio de delicadeza, potência e pertencimento. Um jogo entre os impulsos internos e os impulsos externos, uma tentativa de aceitar o estar sendo observada, uma composição de movimentos que podem ser reconhecidos como exercícios aprendidos numa aula de dança contemporânea, porém o que os diferencia de meros exercícios é que eles estão cheios da vontade de embarcar numa exploração (tímida) de dois parâmetros muito desafiadores quando colocados num mesmo lugar: a abordagem das atitudes de uma “superstar” combinadas com procedimentos de técnicas somáticas (como descreve Mathilde no texto do programa). Endoskop me abre a curiosidade de ver o que aconteceria se Mathilde se submerge mais alguns meses na sua pesquisa.

  

 

Luzi Madrid Villanueva and Rita Maria Klos: Begleiten

 

Luzi e Rita começam sua dança em posições diversas, uma delas muito estática, explora pequenas e tímidas contorções nos dedos das mãos e nos dedos dos pés. A outra começa a se movimentar no espaço de maneira sutil e leve . Ao longo da peça e a medida que as cores da luz vão mudando, ambientes estelares banham os corpos de Rita e Luzi como se estivessem num outro universo, elas se movem separadamente, com qualidades de movimento diversas, mas em uma conexão e uníssono hipnotizante. Este efeito muda quando os corpos das duas bailarinas se encontram, se tocam e se manipulam. Da maneira que este momento do encontro é apresentado, elas demonstram pouco domínio da suas ações, transparecendo um estranhamento em relação ao corpo de uma e de outro. Ou talvez seja o conflito e a dificuldade do encontro que estava querendo ser abordado por Rita e Luiza? Este momento dura pouco, elas se separam e tornam a movimentar-se pelo espaço, fazendo uso de gestos com suas mãos, executados com uma leveza, propriedade e simplicidade encantadora. Em Begleiten, fica suspensa a pergunta do que me afeta, como descobrir outras configurações do gesto que não só de um jeito ilustrativo? De que outra maneira poderia ser explorada a complexidade da relação entre dois corpos num espaço em comum? ou talvez isto nem seja do interesse das artistas.

 

 

Rima Baranse: insulting

 

No fundo, no canto direito de quem é espectador, aparece uma mulher com os cabelos longos e soltos, uma calça-saia preta que do jeito que é feita, revela duas pernas, vestidas de pele interrompida por um par de joelheiras. Essa mulher é banhada por um foco de luz vermelho. Os cabelos, as pernas, as joelheiras, a calça ou a saia, as mãos cheias de expressão, a luz e o espaço inteiro pertencem a Rima Baranse.

Um som de respiração disparada, uma voz que pronuncia uma palavra e que parece repetí-la, - desafortunadamente não reconheço o idioma. Poucos segundos depois, entre a respiração do áudio, os movimentos no chão de Rima, a luz vermelha e a energia que é instaurada no espaço, reconheço a voz que fala, desta vez em português, é a voz de uma mulher que diz: “vítima de violência, teve muita consciência”. Sim, a cor vermelha não era em vão. Sim, os cabelos soltos, os movimentos sinuosos e carregados de expressão e energia não eram em vão. Rima nos apresenta um corpo feminino, banhado num contexto de violência política, violência psicológica, violência física, violência histórica. Rima dança sua urgência de revolução e liberdade. Os seus movimentos são caracterizados por uma mistura entre virtuosismo, forte expressao, domínio, controle e descontrole. Com suas mãos expressivas toca sua boca, seu sexo, seus peitos. As vezes ela treme, e todo o seu corpo faz reverberar esse tremor pelo espaço inteiro. Às vezes seus dedos índices se estiram, apontam o espaço, apontam o chão, apontam seu próprio corpo. A luz vermelha desaparece, Rima não volta mais pro canto vermelho, ela dança e constrói um novo espaço, seus movimentos mudam de qualidade, se contorcem, suas mãos se fecham, os dedos indicadores e do meio se estiram, nas duas mãos o mesmo gesto: formando um V, de vitória? Segunda parte? Paz?

Insulting é uma performance que poderia cair facilmente no clichê da dança expressionista, mas Rima com seu grito sincero de revolta, de urgência, de história, me porta em outra direção, me prende as vísceras, me tira do meu lugar de espectadora, me movimenta e me insita a gritar junto.  


 

Aabshaar Wakhloo and Katerina Delakoura: Atlas

 

A porta lateral se abre, entram Aabshaar e Katherina segurando uma mesa, a colocam no centro do palco, perto da plateia, em cima da mesa tem dois pedaços de argila, cartas e duas canetas, depois de alguns segundos Katherina e Aabshaar também estão em cima da mesa. Enquanto amassam e dão diversas formas à argila elas conversam entre elas, a conversa é descontraída e estruturada, assim como toda a sua performance. Uma delas pega uma das cartas que estão em cima da mesa, lê uma pergunta, a outra responde contando uma história. Histórias, mitos, fantasias, lendas? Elas falam de animais que querem ganhar um concurso, de um homem de três cabeças, de amigos perdidos na floresta. Depois que cada história chega a seu fim, elas param de amassar a argila, uma delas lança um desafio que mais tarde é realizado,  “duas vezes na parede” , “ 60 giros”. E assim se desenha Atlas, é uma mistura de contação de histórias, com o jogo de construir imagens com as palavras, de dar forma ao barro, de pôr o corpo em situações específicas. É um jogo tímido no que se refere a exploração dos limites do corpo, porém cheio de potencial no que se diz às construções de imagens, reconfiguração do espaço e ao incentivo da imaginação.


 

Julie Savery: Part II of IV

 

Julie Savery não está sozinha, um rolo de papel higiênico e um batom vermelho são seus companheiros de palco. Ela veste uma calça preta, uma camisa branca por dentro da calça, cabelos presos e minuciosamente penteados. Durante toda sua coreografia, Julie executa os movimentos com a mesma meticulosidade e cuidado como prendeu seu cabelo. Em Part II of IV Julie mostra uma fixação com a perfeição, repetidamente coloca o batom nos seus lábios, o limpa, o retoca, o remove, o volta a colocar. E faz uso dessa mesma estrutura para compor a sua dança. Se vale da repetição de gestos corporais executados com total precisão, delicadeza e vigor. Uma acumulação de sequências de movimentos, com a tentativa de explorar as variações deles. A acumulação dos pedaços de papel higiênico manchados de batom vermelho colocados no chão de maneira alinhada, compõe com seus movimentos, mas ao mesmo tempo acaba atribuindo uma qualidade de previsibilidade a sua coreografia. Ela recolhe os papéis sujos do chão e os coloca no seu bolso, fica sem batom nos seus lábios, olha pra platéia. Seus cabelos não estão mais bem presos. A luz descendendo anuncia o fim da parte II ou o começo da parte III?


 

Sam Parfitt and Raphäel Faure AKA Lady Ultra: RADIANCY

 

Uma luz azul toma conta de todo espaço, no centro do palco dois corpos estão estendidos no chão, um em cima do outro. Se movimentam lentamente, misturando suas extremidades. Se levantam do chão, se puxam pelas mãos e caem de novo no chão, desta vez separados. A luz muda de cor, é roxa, da mesma cor que rodeia seus olhos maquiados. Como dois corpos com cargas opostas, eles se atraem, se tocam, se juntam. Caem. Uma vez em pé, revelam seus torsos nus e se preparam para executar movimentos que lembram os alongamentos de corredores de domingo. Ao som de uma música Techno-pop-tudo-festa dançam individualmente, como se estivessem na sala de casa, ou talvez num club. Suas barrigas nuas se tocam no ar. Caem. O público rimos.

Em radiancy, Sam e Raphael intentam explorar possíveis maneiras de transição do turvo ao claro. Eles jogam com elementos que pessoalmente só me despertam associações com um ambiente específico: um Club. Durante a sua performance eu experienciei um tom de ironia e despojamento constante. Me pergunto se isto é uma escolha consciente dos artistas e se é do seu interesse pesquisar um corpo que possui uma corporalidade específica, o corpo-club. Ou serão estas minhas impressões influenciadas só pela escolha da trilha sonora que eles fizeram?


 

Josefine Mühle: What’s in the dark #2 – strange attractor

 

Josefine é a última da noite. Antes de entrarmos no espaço do ada Studio. Ela o reconstrói, entramos. Nós, espectadores, não temos mais o nosso lugar para sentar como convencionalmente. Não tem cadeiras. Para compor com o espaço, ela optou por colocar duas telas de tevê separadamente, cada uma em cima de uma mesa, no chão um retângulo de plástico fino e transparente faz a cama para uma poça de tinta verde, e claro, nós, o público em torno a essa paisagem. As primeiras a entrar em cena são as duas televisões, em suas telas baila uma animação de uma figura amorfa variando as suas cores e configurações. Josefine entra em cena. No seus braços, suas mãos e no seu rosto se desenham vestígios de tinta e veste uma camiseta uniformemente empapada na mesma cor da tinta em que ela submerge seus pés, aquela que estava em cima do plástico e que agora reconfigura o espaço com seu som, com suas novas formas. É como se aquela tinta alimentasse a textura dos seus movimentos e os manipulasse, que são caracterizados por um vigor interno e espasmado, e que como uma onda, toma conta progressiva e irregularmente do seus pés, do seu tronco, do seus braços, de suas mãos. Meus sentidos ignoram as televisões, pois Josefine se camufla ao mesmo tempo que se sobressai no espaço, e não obstante percebo minha resistência em refletir sobre o uso da contraposição do corpo, mídia primária, com o uso de outras mídias e de suas extensões tecnológicas, é a presença de Josefine que fortifica e me faz desistir dessas reflexões com a delicadeza e sinuosidade da sua performance. Uma luz azul toma conta do espaço, ela detém seu movimento externo. Agradecemos.

 

 

Foi uma noite que surpreendeu minhas expectativas, baseadas na memória das noites de 2015. Onde as diferenças entre as estéticas exploradas pelos estudantes das tão diversas escolas eram totalmente claras, desenhando fronteiras bem perceptíveis, e aparentemente pouco flexíveis. Em 2018, vejo uma vontade maior dos alunos e talvez também dos professores destas escolas a se aventurarem na exploração de diversas vertentes, diversas técnicas de movimento, diversas maneiras de compor. Os temas abordados pelos estudantes, como lido no programa escrito por eles, anda em direção do que os afeta. Totalmente diversos, os estudantes são inspirados em emoções pessoais e experiências próprias, ou em situações políticas atuais, ou em marcos da literatura. Cada um fez uso das suas próprias estratégias para colocar estes interesses em cena, alguns mais ousados, outros mais tímidos, outros mais fiéis ao que experienciam nas suas escolas, outros com vontade de quebrar modelos estancados e acenar novos rumos.

O que me chama atenção e me inspira é a vontade com a qual todos eles se mostram em cena. Vestidos com suas urgências, seus interesses, seus riscos,seu comprometimento, suas fragilidades e potencialidades, prontos para questionar e derrubar fronteiras estéticas, geográficas, sociais e políticas. O S.o.S. me faz lembrar e me reforça a importância da cumplicidade na cena da dança contemporânea na cidade. Juntos somos mais fortes.

Lina Gómez

German version with corrections from Julek Kreutzer

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